Quando eu era um petiz inconsciente, entre os meus 3 a 8 anos, vivi em casa dos meus caros avós maternos, mesmo ao lado dum edifício imponente e marcante desta cidade de Lisboa: a Praça de Touros do Campo Pequeno.
O meu avozinho, na sua boa fé, sempre incentivou os seus filhos e netos a gostar do espectáculo da festa brava.
Levava-os a assistir a touradas, para criar ou desenvolver o gosto por aquilo. E conta a senhora minha mãe que o pai dela, quando não podia entrar na Praça por razões do dever chamando para outras missões, pedia a qualquer estranho na fila da bilheteira para levar consigo o seu filho ou neto menor, uma vez que este não podia entrar sozinho, devido à tenra idade.
Não me lembro de tal awkward situation ter acontecido comigo, ir com um estranho assistir a uma corrida. Mas bom, com o meu avô, sim. E como se pode deduzir, eu passei a detestar a dita “festa do touro”. O efeito contrário ao que o meu avô pretendia.
Na altura, não estava ainda muito consciente do errado que há na tortura de animais. Era mais por ser forçado a estar onde não queria lá muito permanecer.
Um dia lembro que minha mãe quis que eu fosse numa visita guiada aos bastidores da Praça do Campo Pequeno.
Deambulei pelas caves daquele redondel, então já adolescente. Pelos camarins dos toureiros e por uma área mais sombria: o touril. E as recordações que me restam é que aquilo tresandava a morte por todo o lado. Uma coisa simplesmente sórdida…
Há uns 10 ou 15 anos atrás, por acaso subi desde o centro comercial da mesma Praça até às bancadas. Assim como quem anda a vaguear sem propósito fixo. E dei por mim a ser testemunha duma amostra da reles cobardia humana.
Era uma dita garraiada, festa organizada por uma qualquer associação de estudantes universitários. Que consistia nisto: Um grupinho de palermas, na grande maioria machos, rodeavam um bezerro, imóvel no meio da arena.
O animal viria a ser um touro de lide, provavelmente. Mas naquela ocasião ainda era bem juvenil. E coitado, estava tolhido de medo. As suas patas tremiam como varas verdes. Os seus cascos pareciam colados ao chão de areia. E os valentões dos moços estudantis, aproximavam-se dele, um a um, para lhe bater. Para o picar, com palmadas no focinho. Grandes homens, aqueles!…
O animal devia ter sido acabado de ser arrancado da lezíria, onde crescia feliz. E viu-se de repente rodeado de tantos humanos, como nunca antes na sua vida. E o medo não o deixava mover-se dali, do centro da arena e das atenções das bestas.
Então, para mim, mesmo que me digam que é só uma brincadeira, que aquilo não faria mal ao pobre animal, eu fiquei com vergonha de ser da raça humana. Da mesma raça daqueles estúpidos cobardes.
Os espectáculos no circo - da célebre política do panem et circenses - do grande Coliseu de Roma acabaram.
E muito bem, porque vejamos, provocar sofrimento em outros seres, sejam estes homens ou animais, de uma forma consciente e deliberada, não pode servir de atracção. De entretenimento. É errado. Ponto final parágrafo.
Quando o Coliseu de Roma debutou a ser uma ruína, houve um salto civilizacional que se concretizou. Um salto igual um dia irá acontecer a todas as Plazas de Toros neste mundo inteiro.
Essa subida de nível da civilização já começou na Catalunha, em Espanha, país tão pleno de afición. E todos nós sabemos, mesmo os que vivem da festa brava - cavaleiros, toureiros, ganaderos, etc. -, que isso vai calhar a todos. Porque, mais uma vez recordo à saciedade, o sofrimento, a tortura, enquanto razão da existência dum espectáculo, é algo E-R-R-A-D-O!!!…
Só que há que fazer pela vidinha… E por isso os aficionados só esperam é que a extinção das touradas venha a acontecer nas gerações vindouras. Não na sua. E esperneiam. E invocam a tradição.
São tão-só uns grandessíssimos filhos de puta*.
Na nossa praça coabitamos amiúde com um comentador televisivo - que não vou nomear aqui, mas toda a gente o vai reconhecer - de quem posso afirmar até por vezes apreciar a sua voz reivindicativa.
Filho duma grande poetisa, da qual não terá herdado a sensibilidade. Só do pai terá recebido a rusticidade. E que se encarniça como um Rottweiler contra o PAN, Partido das Pessoas, Animais e Natureza. Que terá elegido como o seu ódio de estimação predilecto.
Sinto pena dele, ao vê-lo espumar da boca com raiva contra a razão pura… Não fica nada bem na fotografia, quando se transmuta num irreconhecível troglodita.
People, make no mistake. One day bullfighting shows will be banished. All over the world.
O mundo vai evoluir nesse sentido e todos nós o sabemos. Mesmo os que persistem vivendo em negação desse facto.
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* E aqui há que pedir perdão às concubinas, meretrizes e matriculadas desta vida, às quais eu presto o meu maior respeito e homenagem.
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