quarta-feira, 24 de julho de 2019

• Cortesãs

Madrugada do último sábado para domingo. Estou a cumprir um serviço de motorista à disposição total 24 horas para três cavalheiros. Vindos dum país da África equatorial rico em petróleo. Um deles é ministro, os outros dois seus assessores. 

Graças a estes clientes dessa noite, estou a tirar um doutoramento* instantâneo sobre a vasta oferta lisboeta de casas de strip... Até já sei os horários de cor e salteado!... Para saber quanto vão durar as secas.

São quase quatro da manhã. Espero dentro duma van Mercedes classe V preta com vidros fumados que os meus cavalheiros se divirtam como bem podem ou à grande e à francesa dentro dum antro que dá pelo nome de Paquiderme Albino.

Reparo nos vários usuários dessa casa engraçada que entram e saem desta amiúde. Regra geral, são uns senhores meio grisalhos, acompanhados por meninas vistosas no trajar e na beleza corporal.

Como me estou a sentir nesse árduo turno nocturno como uma prostituta do volante, enceto a imaginar como serão afinal as rotinas laborais destas raparigas. Já que não tinha sono e havia que ocupar a mente com alguma actividade.

Vem-me à memória um poema dum autor que admiro. Este, que transcrevo abaixo:

Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a croa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques, pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.

…de Manoel Maria Barbosa du Bocage,
para quem faltou a estas aulas na escolinha.

Subitamente um dos meus bons rapazes vem cá fora, chega perto do nosso veículo e solicita-me que me comece a mexer com este.

Os clientes eram em número de três... E as Nises também. A paródia dentro da Viano foi assim a seis. Porque eu cá não tive direito a nada. Aliás, era minha prioritária missão transportar toda esta gente com a conveniente rapidez e em segurança até ao design hotel de cinco estrelas onde os moços se hospedavam, com todas as realescas mordomias a que têm direito, por supuesto.

Uma vez lá chegados, dispensaram os meus serviços até ao fim desse turno. De modo que pude recolher também aos meus caseirinhos aposentos. Que a noitada seguinte poderia ser mais do mesmo. E era mister que eu proporcionasse a mim mesmo algum repouso do guerreiro. Ou da ama seca de adultos. Dito assim para ficarmos por aqui nesta peculiar saga. Ou antes, dantesca comédia divina. Ou de humanos costumes.

Que não se veja neste arrazoado todo qualquer juízo de valores. Até porque eu serei porventura um dos últimos moicanos à face da Terra a ter moral para fazê-lo.

E “prontes”… Esta é a minha vidinha. Podia ser pior.
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* Um dia ainda me especializo a organizar tours nestas andanças vespertinas… Why not?…