sábado, 14 de maio de 2016

• Time Out of Mind - o filme

Tal como comecei a contar num post de um meu outro blog, Ideias Peregrinas (ou talvez não), há uns dias atrás, este notável “Time Out of Mind” foi o primeiro de uma trilogia de filmes a que assisti em três dias seguidos, seleccionados criteriosamente. Porque já há muitos meses que não tinha podido dar-me a esse luxo de ter esse simples passatempo que é ir ao cinema.

Praticamente desde que este ano começou que todos os dobrões que detinha sumiram da minha bolsa. Até para tomar um miserável café tive de andar a cravar.

Só não tombei na situação de ser sem-abrigo, tal como Richard Gere neste filme, que recebeu o título “Viver à Margem” no nosso mercado. Mas esse cenário não deixa de me assustar. Esse e o da solidão na minha velhice.

Por isso este filme bem difícil de ver - porque incómodo para as consciências de quem as tiver - tocou-me bastante, lá no fundo do meu ser.

A vida comunitária nas actuais sociedades dos países mais desenvolvidos deste mundo parece estar a “fabricar” pessoas sós a um ritmo cada vez mais acelerado. Laços familiares de entreajuda estão a desaparecer, porque a família na cidade grande é uma coisa que se vai extinguindo também.

A família enquanto instituição secular já só deve existir no meio rural. E mesmo aí só quando tivermos várias gerações coabitando na mesma aldeia e não apenas aquele membro mais idoso duma dada família que viu todos os mais novos partir de lá.

Eu quis contrariar a condenação à solidão que sinto que me persegue quase desde sempre. Porque como me fizeram reconhecer, eu sou aquilo a que se chama de uma old soul

Recentemente vi uma oportunidade de alcançar um patamar que me afastasse da solidão característica das pessoas como eu. Quando me apaixonei por uma mulher que vi como minha semelhante.

Tu estás só e eu mais só estou”, como diz a Canção do Engate de António Variações. Sonhei que podíamos juntar as nossas duas solidões que atravessamos hoje neste mundo.

Mas nunca nada é assim tão fácil. Há que conjugar projectos de vida em comum. E cada um de nós vinha já alimentando os seus sonhos enquanto éramos sós. E esses sonhos, os meus e os dela, eu não os consegui conciliar. Ainda.

Ela nunca compreendeu o meu interesse nela enquanto alma lindíssima. E cuidou talvez que eu quereria usar a nossa aproximação para um intuito último de emigrar para esse país um pouco próspero onde ela vive desde há cinco anos.

Eu de facto quis usar essa nossa aproximação, sim, mas para acabar com a minha solidão - e talvez a dela também - e encontrar um sentido para os anos que me restam. Ter alguém para cuidar, fosse onde fosse que um dia quiséssemos e pudéssemos viver juntos.

Começámos a viver juntos de uma forma sem grande - ou nenhuma - preparação da minha parte. Uma aventura, um verdadeiro tiro de sorte no escuro. E eu perdi a aposta que fiz em mim mesmo.

Não foi possível, por minha parte, continuarmos a viver juntos. Por pura incompetência minha. E agora pago caro por essa derrota. Estou mais só do que nunca. E já não me sinto bem nem mesmo em lugares lindos outrora sonhei um dia viver.

Mas ao menos ela salvou-se. Já não está só, como quando nos conhecemos um dia. E ainda bem por ela. A sua tenacidade é bem maior do que a minha. Ela merece tudo.

Eu é que agora tenho pelo meu lado que fazer por tudo para não acabar no status quo como o que o Richard Gere tão bem retratou neste intragavelmente singelo “Viver à Margem”.

Quero mesmo muito deixar de ter a condição de cidadão rasca. Mas vou precisar de ajuda. Como todos nós precisamos. O pior é que uma old soul não consegue aceitar ajudas de qualquer maneira. Só vindas de outra old soul.