quarta-feira, 17 de agosto de 2016

• Só me saem é duques!…

Isto diz amiúde o populacho quando se está enrascado e não nos aparece nada de jeito para nos ajudar a sair do buraco.

Eu, tal como muitos de nós, cidadãos, precisamos de ter alguma actividade que nos permita com a sua respectiva remuneração ir sobrevivendo, satisfazendo ao menos as necessidades básicas de cada um, definidas na famosa pirâmide de Maslow. É assim que o mundo funciona, desde a expulsão do paraíso terrestre dos nossos ricos paizinhos Adão e Eva. E só eu sei o quanto preciso de ter alguma coisa a que se possa chamar de salário para continuar a manter-me à tona neste mundo cão...

Mas, por causa do meu maldito karma, as quase únicas oportunidades - e curiosamente ou talvez não, em grande número, diga-se… - que me vão aparecendo de um novo emprego são para trabalhar para a famosa... Uber. Nesta Lisboa, onde vou tendo que me resignar a viver os meus dias neste planeta.

Bom!… Em relação a esta coisa da Uber, quero dizer aqui que tenho mixed feelings

Venho com agrado que negócios como os da Uber ou da Airbnb apareçam. Para inovar e provocar umas boas sacudidelas em mercados demasiado cristalizados e parados no tempo. Para criar alguma liberalização em actividades demasiado regulamentadas. Para romper com status quos demasiado instalados.

E também, já agora, para pagarmos um pouco menos por certos serviços, que sempre nos pareceram caros ou serem encarecidos por falta de uma verdadeira e liberalizada concorrência. 

Só que há sempre dois lados da mesma moeda. E este alegado espírito liberal* da Uber acarreta também em si - tenho esta percepção, quiçá não totalmente exacta - que a Uber pague uma beka mal aos seus colaboradores directos ou indirectos. Ainda, desde sempre e provavelmente também para sempre.

Mesmo assim sendo, não me importaria lá muito de acabar a trabalhar para a Uber. Afinal, preciso garantir, como todos nós de resto, aquilo com que se compram os melões. 

Mas julgo que só me sentirei minimamente cativado para ser um driver na classe Uber Green, a tempo inteiro, em qualquer área geográfica. Um quotidiano gerido a conduzir um Nissan Leaf, veículo 100% eléctrico, convenhamos, é deveras atraente para a minha enraizada consciência ecolo.

Ou então, qualquer outra classe Uber**, a tempo parcial mas apenas na grande Lisboa. Mas não sei deveras se a Uber é a solução para mim. Ou para o comum dos mortais.

Conduzir é uma actividade que eu faria todos os dias até a título gratuito, se não tivesse de me preocupar tanto com a sobrevivência terrena. É esta a minha principal motivação para trabalhar para uma moderna instituição como a Uber. Simples assim. 

Mas há um muito aborrecido contra: é prática usual entre todos os parceiros Uber exigir aos drivers que contratam que cumpram turnos de 12 horas diárias, e sobretudo em horários nocturnos. O que acho de uma grande violência, para além de ser naturalmente prejudicial para um importante factor: a segurança da condução.

Nem compreendo como algo assim possa ser legal!… E se a classe corporativa das companhias de táxis - que se rebelam tanto contra a aparição da Uber no seu mercado, que julgaram seria sempre uma coutada privativa sua - não levanta esta lebre… Deve ser porque fazem os seus condutores terem de cumprir com as mesmas 12 horas por dia. Hipocrisia da pura, é o que isto é!…

Quanto a mim, não quero entregar quase todas as horas dos meus dias a um tal ofício, tão desgastante em termos de tempo envolvido. E além disso, quero manter uma reserva de horas que eu possa dedicar a outras actividades que sejam mais bem remuneradas.

Bom, evidentemente, isto é aplicado à nossa comezinha realidade local… Já se tivesse a chance de ser um Uber driver nessa urbe de sonho ou de pesadelo que é o Dubai, a guiar todos os dias um McLaren… Hum, hum… Pensaria ao menos duas ou três vezes no que disse atrás. 

Voltando a pôr o pé no chão, fincado na calçada portuguesa… Para além daqui - e em qualquer outro lado, com certeza - a Uber pagar mal e exigir o litro dos seus drivers, que têm de ser rentabilizados como máquinas, tal como rentabilizado tem de ser o investimento na aquisição das viaturas a colocar ao seu serviço… 

Por outro lado ainda, constato que parceiros Uber estão cada vez mais a surgir em grande número hoje em dia, aqui em Lisboa. 

Nascem do chão como cogumelos!... Hoje qualquer mamborreiro quer criar a sua micro-empresa parceira da Uber. O que não pode deixar de me fazer questionar se esta actividade não estará a atingir um ponto de saturação em que deixará de ser proveitosa para todos estes parceiros. Ou seja, que este negócio poderá vir a não ser sustentável.

É o que eu digo… Só me saem é duques!…

Se ao menos tal espírito liberal que a Uber traz também permitisse que os seus drivers funcionassem na chamada economia paralela… Ou seja, que não tivessem de passar recibos aos seus empregadores, as chafaricas parceiros Uber… e não tivéssemos de entregar em IRS um terço do pouco que se ganha a esse chulo chamado estado

Estado chulo este que me abandonou, a mim e a tantos outros pobres diabos lusos, à nossa sorte. No meio desta recente tempestade social, política e económica, que ainda perdura e perdurará. Nada vai voltar a ser como dantes. Como por exemplo, o respeitinho que este estado português me merece.
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* Liberal ou neo-liberal, ou seja lá como for que se queira baptizar a bandalheira!…

** Para além da Uber Green, em Portugal - ou seja, em Lisboa, Porto e Algarve (Faro e Albufeira) - existem também as classes Uber X e Uber Black. Mas a Uber lá fora é mais inventiva. E criou mais outras classes, tais como Uber XL, Uber Lux, Uber Select, etc.. Estas duas últimas talvez apenas outros rótulos para realidades semelhantes à corriqueira Uber Black, em várias cidades ao redor deste mundo.