quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
• Quis saber quem sou
Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.
Assim começa a letra de "E depois do Adeus", escrita por José Niza e cantada por Paulo de Carvalho, bem conhecida de todos.
Hoje estive só, sentado no areal do Monte Estoril, a ler um livro antes do pôr do sol. E enquanto via o astro-rei a despedir-se de mim e dos outros como eu que apreciam ver o céu a tingir-se de ouro antes de enegrecer, cuidei que ali estava uma alegoria desta actual fase da minha existência.
Estou a entregar os pontos. Admito que a curva descendente já chegou. Renascerei alguma vez mais? Ou antes disso, ainda haverá lugar para fazer alguma coisa de jeito nesta desbaratada vida minha?
O escritor que escolhi para ler ao lusco-fusco, Haruki Murakami, induz-me sempre reflexões introspectivas. E as suas narrativas despertam-me bastas vezes a velha impressão do "eu já vivi isto assim desta maneira também".
Depois de ter lido o que Sumire, personagem do romance "Sputnik, meu amor", pensava sobre si mesma, também quis saber quem sou. O que faço aqui.
E julgo que já pouco tenho a fazer aqui. A janela de oportunidade que tinha esfumou-se.
Assalta-me hoje o saudosismo que nos outros eu abomino. Mas que agora abraço. E consolo-me com este pensamento que minoriza minha conjuntural tristeza: ao menos tive a sorte de ter nascido na melhor década de todos os tempos da humanidade. A de sessenta.
A década do arranque da esperança num mundo melhor. Da genuina esperança. E do maior feito do homem enquanto terráqueo. Que tão cedo não será repetido nem ultrapassado. A da pegada de Armstrong num solo doutro planeta.
No dealbar dessa década, em 1969, nas cadeias de televisão de todos os países houve um sucesso de audiências que foi uma telenovela à laia dos reality shows de hoje. Vimos imagens de três homens no espaço confinado e exíguo da nave espacial Apollo 11, cuja qualidade sofrível mais me assemelhava à das ecografias de bébés no ventre de sua progenitora. E de uma sala enorme em Houston cheia de gajos, todos "caixa d'óculos" engravatadinhos, especados em frente a mesas com monitores de televisão. Ou radares. Não, espera, diziam-me então que aquilo não eram televisores, não. Eram… computadores. Ó pai, o que são computadores?…
O que faço eu aqui, afinal, nesta época de gestores e economistas? Eu, que fui cursar engenharia, de um modo romãntico. Porque a NASA estava cheia desses tipos, os engenheiros. Para que raio presto eu como cidadão nos dias cinzentos que correm? Não hei-de eu sentir-me rasca…
A páginas tantas, mor, o Paulo de Carvalho canta estas linhas na canção que mais se lhe colou à pele:
Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
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Para escutar a banda sonora original (ost) deste post, clicar aqui. Esta letra encaixa tão bem no que sinto neste dia 4 de janeiro que findou!…
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2 comentários:
Acredito que há sempre lugar e oportunidade para fazermos coisas de jeito nesta vida. O empenho é individual, o resultado é social.
Gostei de o ler.
Abraço
CVB
Cecília, obrigado pelo seu comentário, que me enriquece. E me envaidece que alguém com uma alma tão bonita quanto a sua goste de ler o que esta vã pessoa que eu sou vai escrevinhando.
Mais uma vez, parabéns pelo seu livro "Âmbar e Mel".
Beijim! ;-)
Giuseppe
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